Vacina para tudo (Ricardo Gouveia)

07/08/2020

Este ano não vai ser igual àquele que passou. Será triste, melancólico, angustiante e, muito provavelmente, ainda sem a vacina contra a Covid-19 que já matou quase 100 mil pessoas no Brasil. A prefeitura do Rio de Janeiro anunciou que, na passagem para o ano de 2021, não acontecerá a tradicionalíssima festa de Revéillon na orla, destacadamente a realizada na Praia de Copacabana, que atrai há décadas turistas do mundo inteiro e concentra uma inacreditável multidão de quase três milhões de pessoas, de línguas e culturas díspares.

Nada de brindes com taças de champanhe e pés descalços na areia. Quem quiser manter o ritual, que o faça em casa, assistindo a lives do show de luzes que, segundo a programação da prefeitura, ocupará o lugar da impactante e insubstituível queima de fogos que anuncia a chegada do novo ano, renovando a esperança na vida e, por que não, nos destinos da humanidade. A decisão de não realizar a festa é acertada em virtude da necessidade, negada pela grande maioria das pessoas e, inclusive, pela própria prefeitura, de se evitar aglomerações, pois ainda não há no horizonte o menor sinal de controle da expansão da epidemia.

Os fogos de artifícios deveriam não somente ser interditados este ano, como também substituídos por um longo silêncio em respeito aos mais de 100 mil mortos no Brasil. Afinal, não há como comemorar a chegada de um ano novo diante de uma catástrofe dessa dimensão e que, segundo algumas previsões, poderá chegar à noite de 31 de dezembro com 200 mil mortos pela peste. Nada de explosões artificiais, batuques e cânticos, que eu, aliás, adoro e sentirei saudades.

Diante da deserção da maior parte da população às medidas sanitárias necessárias a evitar a morte de milhares de pessoas, sugiro que fiquemos todos em casa - afinal, muitos de nós já estamos mesmo, né? -, acendamos velas pelos mortos, permaneçamos em silêncio por uma hora, rezemos ou, para os que não sabem rezar, reflitamos sobre o que cada um de nós pode fazer para tornar o planeta um lugar melhor para se viver. Habitável e com condições dignas de existência para todos os seres humanos.

Afinal, convenhamos, não haverá um grande ganho para a humanidade quando ocorrer a descoberta da vacina contra a peste, se tivermos que continuar a conviver com imposições políticas e econômicas que produzem milhares de pessoas sobrevivendo em condições indignas e desumanas. Precisamos de vacina para todos e para tudo. Uma vacina contra a Covid-19, a miséria, a falta de atendimento hospitalar, a ausência de sistema avançado de educação, a violência urbana e rural, o racismo, a homofobia, a misoginia, a desonestidade política, a manipulação da fé e a intolerância.

Precisamos de uma vacina contra a desumanidade. Se é que isso tem cura.

Ricardo Gouveia é jornalista, pai de três filhos e apaixonado pela língua portuguesa escrita e cantada

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