Sentada sozinha (Luciene Carris)

15/07/2020

Textão de Luciene Carris

A incerteza e a insegurança causada pelo Covid-19 aprofundaram o uso de substâncias lícitas e ilícitas. A busca pela cura do vírus mortal excluiu um outro problema que nos últimos anos, pelo menos no Brasil, estava sendo ignorado pelas esferas governamentais, mas se aprofundou nos últimos meses. Com o isolamento social, a ansiedade, o estresse e a depressão, bem como o aumento dos casos de suicídio, são dados relevantes que expõem o debate necessário sobre o problema da saúde mental dos brasileiros. Apesar de acreditarmos que o distanciamento social seja temporário, os danos podem ser irreversíveis.

A atual situação político-econômica e o medo do contágio pelo inimigo invisível não devem ser desprezados. São tempos de empresas fechadas, do impedimento de usar espaços ao ar livre para recreação ou para prática de esportes, do encontro com amigos e familiares, da transferência do trabalho para casa através do homme office e da expansão das aulas remotas, diga-se de passagem, que é uma realidade restrita à uma determinada parcela da sociedade brasileira. Então, como manter a sanidade nesses tempos de Covid-19?

O abuso do consumo do álcool, do tabaco e de antidepressivos ou ansiolíticos é um fato conhecido no Brasil. Mesmo com o fechamento dos bares e restaurantes durante a quarentena, não houve uma política de restrição de vendas de bebidas alcoólicas. Um outro dado curioso, de acordo com os veículos de comunicação, é que o fechamento das fronteiras e as restrições de viagem vêm interferindo no mercado de drogas ilícitas nos Estados Unidos. Não há dados concretos para a conjuntura atual no país. Porém, podemos especular que a situação por aqui seja semelhante. Contudo, no início da pandemia, foi disseminado o boato inverossímil de que a cocaína poderia curar infectados, fake news prontamente desmentida por infectologistas e até pelo Ministério da Saúde.

Enquanto a pandemia avança, o consumo de pornografia aumenta exponencialmente na internet, bem como o mercado de jogos eletrônicos via streaming. O crescimento significativo de assinaturas nestes setores têm sido uma forma artificial de buscar uma forma alternativa de escapismo ao confinamento. Segundo a Organização Mundial de Saúde, o vício em jogos de videogame foi considerado um distúrbio, bem como o sexo compulsivo. Para muitos, a inesperada pandemia do Covid-19 justifica o consumo de coisas que podem dar algum tipo de prazer como a comida, a bebida, as compras e as drogas ilícitas, etecetera. Sem esquecer de mencionar o aumento do nosso tempo útil nas redes sociais e em aplicativos de mensagens que trazem para alguns um certo tipo de prazer.

Como lidar com a monotonia do cotidiano em tempos pandêmicos? É bem verdade que no Rio de Janeiro já iniciou a flexibilização da quarentena com a abertura do comércio, mas isso não significa que a angústia e a incerteza em relação ao futuro tenham se encerrado. Ultrapassamos a cifra de 72 mil óbitos ocasionados pelo vírus misterioso em todo território nacional sem a descoberta de uma vacina eficaz.

Por ora, continuamos seguindo as nossas rotinas, sobrevivendo, cada um como pode. No meu caso, eu encerro esse breve texto observando a minha taça abastecida por um vinho tinto chileno Malbec, que usualmente me acompanha nas minhas escritas e reflexões. Pois, não me encontro assim tão distante da realidade de outros semelhantes. E por que não?

Um líquido tão precioso, presente nas festas de Baco, na transfiguração cristã do sangue divino e que possui um sentido histórico-antropológico para civilização ocidental bem que merece uma deferência especial. Então, encerro com uma homenagem do escritor alemão Johann Wolfgang von Goethe (1749-1832), um dos expoentes da literatura universal, que assim lhe fez essa bela homenagem em 1819: Sentado sozinho, haveria melhor lugar? O meu vinho. Bebo sozinho. Ninguém a me incomodar, e eu nas ideias a viajar.

Luciene Carris é historiadora e escritora.

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