Por trás das câmeras (Ricardo Gouveia)

17/07/2020

Textão de Ricardo Gouveia

Uma grande parte da sociedade brasileira acha, na sua profunda ignorância e sob a liderança do capitão reformado do Exército que ocupa a presidência da República, que da arte vivem somente os famosos e bem remunerados atores que participam das novelas da Globo e cantores que aparecem nas TVs. O setor cultural emprega 5,7% dos trabalhadores brasileiros. São costureiras, iluminadores, carpinteiros, eletricistas, diretores, cenógrafos, cinegrafistas, diretores, passadeiras, escritores, escultores, faxineiros, pintores, camareiras etc... Ou seja, uma multidão que faz arte, trabalha na sua produção ou na manutenção dos espaços nos quais as criações são exibidas.

A despeito da relevância da cultura para humanidade, e desconsiderando o sofrimento dos milhares de brasileiros que dela retiram o seu sustento, o governo nada fez para socorrê-los com as interrupções das atividades, em razão do isolamento social determinado pelas autoridades sanitárias. Nunca antes na história deste País, vimos um governo com tanto desprezo pela cultura como o atual. Há um ano e meio, o governo vem tomando seguidas medidas que estão desmantelando as políticas públicas construídas para a cultura.

Em novembro do ano passado, dois dias após a comemoração do "Dia Nacional da Cultura Brasileira", o presidente publicou decreto transferindo a Secretaria Especial de Cultura do Ministério da Cidadania para o Ministério do Turismo. No dia seguinte, ele decidiu colocar também nesse ministério mais sete órgãos da área de Cultura: a Agência Nacional do Cinema (Ancine), o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), o Instituto Brasileiro de Museus (Ibram), a Fundação Biblioteca Nacional, a Fundação Casa de Rui Barbosa, a Fundação Cultural Palmares e a Fundação Nacional de Artes (Funarte).

Mas não parou por aí. Ele fez muito mais. Retirou as verbas do Sistema S destinadas a patrocinar produções culturais; pisoteou a Lei Rouanet, que era praticamente uma unanimidade no setor cultural; reduziu a bem menos de um 1% do orçamento geral o dinheiro direcionado às políticas culturais e esvaziou o Programa Petrobras Cultural. Além disso, diminuiu as verbas de patrocínio da Caixa Econômica Federal (CEF).

Com a pandemia e o consequente fechamento de teatros, cinemas, circos e casas de espetáculo, milhões de brasileiros (5,7% dos trabalhadores estão na área cultural, conforme já foi dito) ficaram sem dinheiro para sobreviver. E o governo Bolsonaro não fez absolutamente nada para socorrê-los. O Congresso Nacional é que teve a iniciativa de ajudá-los. A toque de caixa, aprovou por unanimidade o projeto de lei destinado a encaminhar R$ 3 bilhões a artistas e estabelecimentos culturais durante a pandemia, por meio de repasses a estados, municípios e Distrito Federal.

O dinheiro deverá ser aplicado em renda emergencial para os trabalhadores do setor e subsídios para manutenção dos espaços culturais. A lei teve origem no PL 1.075/202 e foi apelidada de Lei Aldir Blanc, em homenagem ao compositor carioca que faleceu no início de maio, vítima da Covid-19. Provavelmente muito a contragosto, o projeto foi sancionado, com veto, pelo presidente, transformando-se na Lei 14.017, de 2020.

Os artistas estão para a cultura, assim como os professores estão para educação. Ou seja, são imprescindíveis. Mas não se pode nunca esquecer que, por trás das câmeras que registram a Paolla Oliveira contracenando com o Fábio Assunção, há milhões de outros trabalhadores que também vivem da arte e da cultura.

* Ricardo Gouveia é pai de três filhos, jornalista e apaixonado pela língua portuguesa escrita e cantada

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